sexta-feira, 18 de maio de 2012

A Igreja de Charlote


Grã Bretanha, por volta de 1800.
A guerra Napoleônica se instalara.
Caos, fome, receios sobre o futuro eram cotidianos.

Charlote, que por volta dos 10 anos perdera os pais,
Invadira um cargueiro e sem rumo pisou pela primeira vez na Grã Bretanha.
Agora com 11, vivia em uma igreja com freis e frades que não foram admissíveis para abençoamento das tropas.
Charlote era pequena, cabelos crespos e encaracolados, sardas quase cor de vinho.
Era quieta, observava sempre as estrelas. Adorava passear saltitante pela Igreja Encosto dos Santos.

A pequena cidade em que fora levada quase como escrava, era cercada por montanhas.
A única igreja da região era a Encosto dos Santos, que se situava entre uma cadeia de montanhas.
As duas maiores montanhas na qual ela se apoiava eram : Eduardo o Confessor e Eduardo o Mártir.

Embora não ligasse para suas roupas escassas, ela sempre se aquecia com um bom livro sobre astrologia.
Era frio, Charlote jurava que seus olhos viravam vidros secos e opacos sempre que saia para passear.

Certo dia quando as estacoes estavam para mudar, o amanhecer apareceu vermelho no horizonte.
Da janela do seu quarto podia se ver o nascer do sol.
Que janela misteriosa era aquela que Charlote imaginava no mosaico, Eduardo o Mártir chorando fogo ao raiar. No principio se assustava e se escondia nos mantos, mas de tempos para cá ela chorava com ele.
Passava o dedo nas pálpebras úmidas e molhava os olhos do santo. E continuava ali até que o sol se levantasse e formasse sua aureola.

Ouviu um barulho ensurdecedor, era hora do café. Se levantou e percebeu as manchas de sangue no colchão. Gritou até que o frei James apareceu. Este era seu preferido, pois tinha olhos folgados e rosto simpático, sempre lhe contava histórias sobre santos porem sua preferida era sobre a taca do Santo Graal.
Desta vez, após um banho colocou-a em seu colo e lhe contou a história sobre a Virgem Maria.

- Virgem como você, vivia em um lugar diferente. Areia se via por todo lado onde vivia. Poucas ovelhas e seus pastores vagavam em busca da vida naquele lugar. Maria tinha sua idade e sonhou com o filho do Criador. Neste sonho recebeu um cálice e o sangue da vida nele despejou. Assim alguns meses após, Nasceu o filho do Senhor, nasceu da vida que emanara do cálice. Nasceu da esperança  na vida que Maria tinha. Assim como você Charlote, Maria era mulher da vida, era filha das estrelas e de seus olhos emanaram o brilho no qual nasceu o amor.

Charlote, se aprofundou no mundo de Maria. Quase nem percebia os carinhosos chamegos do frei em seus cabelos. Charlote adormecera vendo o brilho nos olhos da Virgem.

Ao acordar, correu para a sala de refeiçoes. Rezou, comeu a aveia na tigela de madeira e foi dar voltas pelas vigas da igreja.
Estava uma neve fraca, quase impossível de se acumular. De inteligente que era deduzira : que bom, quando a cortina preta do céu vier, irei ver o luar.

Ao entardecer, correu para o quarto se arrumar para a prometida noite. Eduardo o Mártir estava quieto, rezando como em todas as tardes. Colocou um manto esfarrapado marrom (seu preferido) e foi para o topo da colina.
No jardim que por pouco não tocava o céu conversou com o Mártir e com o Confessor. Contou-lhes sobre Maria e seu sucessor.
Ao anoitecer, a unica neve que caia eram as gotas d'agua das arvores ao redor. Arvores leves e robustas que permitiam Charlote as escalar e o céu ver.
Quando a primeira estrela surgiu, Charlote abriu um sorriso de orelha a orelha. Mas ao perceber a estrela que nascera no dia, viu que era vermelha. Estava morrendo, explodindo, fosse oque fosse, Charlote sabia que era sua ultima noite, embora ainda fosse dia.
Ficou sem esperanças, pois mesmo a estrela com o brilho do ano passado estava a falecer.
Charlote chorou e apareceu a lua, lhe implorou para que fizesse sua querida estrela renascer.
A lua por sua vez iluminou a borboleta : Vermelha, branca e preta. Ela também tinha somente mais um dia de vida, mas estava o usando para Charlote perceber. Nem mesmo as constelações são eternas, Leão, Aquário, Sagitário ... todas viriam a falecer.
Recorrendo ao Santo, pediu com toda forca de suas sardas :
- Mártir, lhe ajudei com suas lágrimas. Sangrei junto a ti.

A noite silenciosa abafou seus pensamentos. Charlote tomou a borboleta as mãos, e sentiu seu vermelho do sangue matutino, viu seu preto do céu acima e penetrou no branco da tristeza da lua.

Então decidiu que aquele seria também seu ultimo dia. Charlote se permitiu ser invadida pela vida.
Viveu intensamente e 9 meses se passaram sua alma. Nos últimos segundos, fez das duas montanhas seu cálice, despejou o sangue da vida, flutuou com a borboleta até a risca do céu, eclodiu e se tornou a estrela prometida.
Charlote, a estrela dos que buscam comida ou família. Era ela agora a minha estrela Dalva preferida.



João Paulo Capovilla Francischini 18.05.2012

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